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SOBRE O AMOR

PELO

PRÓXIMO

 

“E quem é o meu próximo?” Lucas 10:29).

 

Gostaria agora de vos falar dum homem caridoso, cuja vida exemplar será sempre a luz intensa que fere a consciência entorpecida da humanidade. A sua bondade não consistia na prática passiva dum determinado credo, mas na participação ativa em atos redentores; não era apenas a peregrinação moral para atingir o ponto do destino, mas uma viagem onde exercia a ética do amor. Era bom porque amava o seu próximo.

 

O conceito moral deste homem exprime-se numa história pequenina e muito bela, que começa por uma discussão teológica sobre o significado da vida eterna e acaba com um exemplo concreto de caridade, passado numa perigosa estrada. Jesus estava a ser interrogado por um homem versado em pormenores da Lei Judaica: “Mestre, que hei de fazer para herdar a vida eterna?”. A resposta foi pronta: “Que está escrito na Lei?”. O legista recitou: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com toda a tua mente; e ao teu próximo como a ti mesmo”. Jesus então deu a resposta decisiva: “Respondeste bem; faze isso e viverás”.

 

O homem de leis ficou aborrecido. Os outros poderiam perguntar por que razão um perito em leis teria levantado um problema tão fácil, e, desejando justificar-se e demonstrar que a réplica de Jesus estava longe de ser concludente, o legista perguntou: “E quem é o meu próximo?”. Tentava assim desviar o debate para uma abstrata discussão teológica, mas Jesus, não querendo envolver-se na “paralisia da análise”, agarrou no assunto e volveu-o para uma curva perigosa, entre Jericó e Jerusalém.

 

Contou então a história dum “certo homem” que descia de Jerusalém para Jericó e caiu entre um bando de salteadores que o despojaram de tudo, o espancaram e fugiram, deixando-o quase morto. Passou, por acaso, um sacerdote mas desviou-se para o outro lado da estrada e, pouco depois, um levita fez o mesmo. Por fim, apareceu um samaritano, que pertencia a um povo abastardado que os judeus desprezavam. Quando viu o ferido, encheu-se de compaixão, administrou-lhe os primeiros socorros, colocou-o sobre a sua montada e levou-o para uma estalagem onde lhe prestou assistência.

 

Quem é o meu próximo? Essencialmente, é isto que Jesus responde: “Não sei como se chama, mas é todo aquele que está perto de ti. É todo aquele que se encontra em apuros na estrada da vida. Não interessa se é judeu ou gentio; se é russo ou americano; se é preto ou se é branco. É um “certo homem”, alguém necessitado, abandonado numa das inúmeras estradas de Jericó que a vida tem. É assim que Jesus define o próximo: não com definições teológicas, mas com situações concretas da vida.

 

O que representa o gesto caridoso do bom samaritano? Porque será ele sempre o exemplo inspirador dessa virtude para com o próximo? Parece-me que a bondade desse homem pode ser definida com uma simples palavra: altruísmo. O bom Samaritano era altruísta até ao fundo. O que é altruísmo? O dicionário define-o como “sentimento, abnegação ou interesse pelos seus semelhantes”. O Samaritano era bom, porque fazia do interesse pelos outros a principal regra da sua vida.

 

O Samaritano tinha capacidade para um altruísmo universal. Tinha a percepção nítida daquilo que existe para além dos eternos acidentes de raça, de religião ou de nacionalismos.

 

Ao longo do caminho da História, uma das maiores tragédias do homem tem sido o seu limitado interesse pela próximo, seja ele tribo, raça, classe ou nação. O Deus dos primeiros tempos do Antigo Testamento era um deus tribal e tribal era também a ética de então. “Não matarás” significava para eles “Não matarás israelitas, mas por amor de Deus, mata um filisteu”. A democracia grega abrangia uma determinada aristocracia, mas já não abrangia as hordas de escravos gregos onde eram recrutados os que trabalhavam na construção das cidades-estado. O universalismo que era o centro da Declaração da Independência foi vergonhosamente anulado pelo espantoso propósito americano de substituir a palavra “todos” por “alguns”. Ainda muita gente do Sul e do Norte acredita que a afirmação de que “todos os homens nascem iguais” significa “todos os homens brancos nascem iguais”. O nosso inabalável culto pelo capitalismo monopolista faz com que nos preocupemos mais com o bem-estar econômico dos chefes da indústria do que com o dos operários, cujo suor e perícia permitem o funcionamento dessa mesma indústria.

 

Quais são as terríveis conseqüências desta atitude acanhada e centrada apenas num grupo? Significa ela que ninguém se preocupa realmente com o que se passa fora do seu âmbito. Se um americano se preocupa apenas com o seu país, não se interessa pelos povos da Ásia, da África ou da América dó Sul. Não será esta a razão por que as nações se envolvem em guerras loucas, sem a mais leve sombra de arrependimento? Não será por isso que o assassinato do nosso compatriota é considerado um crime e o do cidadão doutro país em guerra é um ato de virtuoso heroísmo? Se os fabricantes se preocuparem apenas com os seus interesses pessoais desviar-se-ão também para o outro lado, enquanto milhares de operários, em conseqüência da mecanização, são despedidos dos seus empregos e abandonados em qualquer estrada de Jericó; e qualquer movimento a favor duma melhor distribuição de riqueza ou de melhoria de vida para o operário será considerado socializante. Se o homem branco se preocupar só com a sua raça, também passará casualmente junto do negro que foi roubado na sua personalidade, despojado da sua dignidade e abandonado, moribundo, numa estrada qualquer.

 

Aqui há uns anos atrás, quando um automóvel transportava alguns jogadores do grupo de basquetebol dum colégio de negros, deu-se um acidente numa estrada do Sul e três dos rapazes ficaram gravemente feridos. Chamaram imediatamente uma ambulância, mas, quando esta chegou ao local do desastre, o condutor, que era branco, alegou que não lhe pertencia o transporte de pretos e retirou-se sem uma palavra de desculpa. O condutor dum carro que passava prontificou-se amavelmente a transportar os rapazes até ao hospital mais próximo, mas o médico de serviço disse agressivamente “que não recebia negros naquele hospital”. Quando, finalmente, os rapazes chegaram a um hospital para “gente de cor”, que ficava a 50 milhas do local onde se dera o acidente, um deles já tinha morrido e os outros dois morreram, respectivamente, trinta e cinqüenta minutos mais tarde. Se tivessem recebido assistência imediata, talvez nenhum deles tivesse morrido. Este é um dos mil casos desumanos que todos os dias acontecem no Sul, e a expressão inacreditável das bárbaras conseqüências de uma ética centrada apenas num grupo, seja ele tribal, nacional ou racial.

 

A verdadeira tragédia de tão acanhado provincialismo é a de olharmos as pessoas como entidades ou meramente como coisas. Raras vezes as consideramos na sua verdadeira humanidade. Uma miopia espiritual limita a nossa visão para os acontecimentos exteriores. Olhamos sempre para os homens como judeus ou gentios, católicos ou protestantes, chineses ou americanos, pretos ou brancos, mas não conseguimos encará-los como seres humanos feitos da mesma massa do que nós, e moldados à mesma imagem divina. O sacerdote e levita só viram um corpo ensangüentado, em vez dum ser humano igual a eles; mas o bom Samaritano aconselhar-nos-á sempre a tirar dos nossos olhos espirituais as cataratas do provincialismo, e a considerar os homens como homens. Se o Samaritano visse primeiro o judeu no homem ferido não teria parado, porque entre as duas raças não havia relações, mas, antes de tudo, viu nele um ser humano, que só por acaso era judeu. Aquele que sabe amar o próximo, olha para além dos acidentes externos e consegue discernir essas qualidades que tornam todos os homens humanos, e portanto, irmãos.

 

O Samaritano tinha capacidade para um arriscado altruísmo. Arriscou a sua vida para salvar um irmão. Quando nos interrogamos sobre quais os motivos que levaram o sacerdote e o levita a não prestarem auxílio àquele ferido, ocorrem-nos várias sugestões. Talvez não pudessem demorar a sua comparência nalguma importante assembléia eclesiástica; talvez que um regulamento religioso os impedisse de tocar num corpo humano umas tantas horas antes de exercerem as suas funções no templo; ou talvez ainda se dirigissem para qualquer reunião da Direção de Melhoramentos das Estradas de Jericó. Este seria decerto um motivo forte pois não basta acudir a um homem ferido caído no caminho; também era importante modificar as condições que tornavam possíveis os assaltos. A filantropia é recomendável, mas não deve nunca fazer esquecer ao filantropo as circunstâncias de injustiça econômica que tornam necessária a filantropia. É possível que o sacerdote e o levita estivessem convencidos da vantagem de remediar, na origem, as causas da injustiça, em vez de se incomodarem com um simples efeito individual.

 

Estas são as razões prováveis que os levaram a não parar, embora possa haver outra possibilidade, muitas vezes esquecida, que é a de terem tido medo. A estrada de Jericó era perigosa. Quando minha mulher e eu visitamos a Terra Santa, alugamos um carro e partimos de Jerusalém para Jericó. Quando descíamos devagar por aquela estrada cheia de curvas e acidentada, disse-lhe: “Agora percebo por que Jesus escolheu esta estrada para a sua parábola”. Jerusalém fica a uns trezentos e tal metros acima do nível do mar e Jericó a uns outros tantos abaixo, e a descida tem menos de 40 Km. Muitas curvas apertadas prestam-se para emboscadas e expõem o viajante a assaltos inesperados. Chamavam dantes a este caminho a Passagem Sangrenta, e é, portanto, provável que o sacerdote e o levita tivessem tido medo de parar e de ser atacados. Quem sabe se os salteadores ainda estariam perto, ou se o homem caído no chão não seria um simulador que quisesse atrair os viajantes para melhor os atacar? Calculo que a primeira idéia que veio ao espírito de ambos terá sido esta: “Se eu parar, que é que me acontece?” O Samaritano, pela própria natureza da sua índole, fez o raciocínio ao inverso: “Se eu não parar para ajudar este homem, que é que lhe acontece?” O bom Samaritano comprometia-se num gesto de altruísmo arriscado.

 

Tantas vezes nós perguntamos: “Que acontecerá ao meu emprego, à minha situação, ao meu sossego, se eu tomar uma posição nesta questão? Irão assaltar a minha casa, serei ameaçado ou preso?” O homem bom inverte sempre a pergunta. Albert Schweitzer não pensou: “Que irá acontecer ao meu prestígio e à minha situação de Professor da Universidade, ou à minha carreira como organista de Bach, se eu for trabalhar para aquele povo em África?”, mas raciocinou: “Que será daqueles milhões de pessoas magoadas pelas forças da injustiça, se eu as não for ajudar?”. Abraão Lincoln também não perguntou: “Que me farão se eu proclamar a Lei da Emancipação e acabar com a escravatura?”, mas o que pensou foi: “Que acontecerá à União e aos milhões de pretos, se eu desistir?”. O negro que exerce uma profissão também não pergunta “que irá acontecer à minha situação como funcionário, à minha posição dentro da classe média ou à minha tranqüilidade pessoal, se eu participar no movimento para abolir o sistema da segregação?”; dirá antes: “que será da causa da justiça e da massa de gente negra que nunca gozou do conforto do bem-estar econômico, se eu também não tomar parte ativa e enérgica nesse movimento?”.

 

A estatura máxima do homem não é avaliada pelas posições de conforto ou de conveniência que ele tem na vida, mas sim quando chegam as provocações e as controvérsias. O verdadeiro amigo do próximo arrisca a sua posição, o seu prestígio e até mesmo a vida pelo bem-estar dos outros. Nas estradas ou nas ocasiões perigosas ele lá está presente para ajudar um irmão ferido ou magoado a levantar-se, a fim de alcançar uma vida mais alta e mais nobre.

 

O Samaritano possuía também um altruísmo excessivo. Foi com as suas mãos que ligou as feridas do homem e o colocou em cima da sua própria montada. Teria sido mais fácil chamar uma ambulância que o levasse ao hospital do que arriscar-se a sujar de sangue a roupa cuidada que trazia. O altruísmo autêntico é mais do que a capacidade de ter dó, pois é a capacidade de simpatizar. A compaixão pode representar pouco mais do que um interesse vago que se satisfaz com a assinatura de um cheque, mas o verdadeiro interesse é a participação pessoal que exige a entrega da própria alma. A piedade pode nascer do interesse por uma humanidade abstrata, mas a simpatia nasce do interesse por um determinado ser humano, caído na estrada da vida e que precisa de auxílio. É o interesse pelos outros dirigido para alguém em especial, para a dor, angústia ou fardo que o aflige. Os nossos esforços missionários falham quando baseados mais na devoção piedosa do que na verdadeira compaixão. Com muita freqüência procuramos trabalhar mais pelos povos de África ou da Ásia do que trabalhar com eles. Uma expressão de dó, quando vazia de genuína simpatia, traduz uma nova forma de paternalismo que nenhuma pessoa digna pode aceitar. Os dólares representam um potencial importante para o auxílio dos filhos de Deus que estão na Estrada de Jericó da vida, mas a menos que esses dólares sejam distribuídos por mãos compassivas, nem o que recebe nem o que dá se sentirá mais rico. As missões têm levado milhões de dólares para África, oferecidos por comunidades religiosas que prefeririam mil vezes a morte do que um só africano tivesse o privilégio de ir prestar culto nas suas congregações. Milhões de dólares do Exército da paz têm sido investidos em África, por causa dos votos de alguns homens que, incansavelmente, tentam evitar que embaixadores africanos possam ser eleitos para membros dos seus clubes diplomáticos ou estabeleçam as suas residências perto das deles. O Exército da Paz caminha para o insucesso se pretender realizar qualquer coisa para os povos desprivilegiados do mundo; só o conseguirá se procurar produtivamente realizar qualquer coisa com eles.

 

Falhará na sua luta contra o comunismo, que só poderá realizar-se na medida em que conseguir acabar no mundo com a pobreza, a ignorância e a doença. O dinheiro sem amor é como o sal sem sabor, que apenas serve para ser pisado pelos homens. O verdadeiro amor pelo próximo exige o interesse pessoal. O Samaritano serviu-se das próprias mãos para ligar as feridas do corpo daquele homem que tinha sido assaltado, ao mesmo tempo que demonstrou a abundância do seu amor procurando tratar das feridas do seu espírito abatido.

 

Um outro exemplo do altruísmo excessivo por parte do Samaritano foi a demonstração da sua boa-vontade, que excedeu a que o dever lhe impunha. Depois de o homem tratado, pô-lo em cima da montada, levou-o para a estalagem e deixou dinheiro para o assistirem, insistindo bem em que se de mais alguma coisa precisasse depois, na volta, pagaria. “Se dispenderes a mais, eu te pagarei quando voltar”. Já antes disso tinha feito mais do que o que qualquer possível lei sobre o dever de assistência para com um estrangeiro ferido lhe poderia impor. Ultrapassou a “segunda milha” (Mateus 5:41). O seu amor era completo.

 

O Dr. Harry Emerson Fosdick faz uma nítida distinção entre as obrigações impostas e as não impostas. As primeiras são reguladas pelos códigos da sociedade e pelo emprego coercivo de agentes legais. A falta de cumprimento dessas obrigações, que enchem milhares de páginas dos códigos legislativos, tem contribuído para encher muitas prisões. As obrigações não impostas estão fora da alçada da lei. Referem-se a atitudes íntimas, relações genuínas de pessoa para pessoa e expressões de bondade que os códigos não podem regular, nem as cadeias, corrigir. São obrigações exigi das por uma lei mais profunda e registradas no coração. As leis humanas garantem a justiça, mas uma lei mais alta promove o amor. Nenhuma lei pode persuadir um pai a amar os filhos ou um marido a demonstrar afeição pela mulher. O tribunal pode obrigá-lo a prover à alimentação da família, mas não pode obrigá-lo a prover o pão do amor. Um pai bom obedece, portanto, ao que não é imposto. O bom Samaritano representa a consciência da humanidade, porque também obedeceu àquilo que não pode ser imposto. Nenhuma lei no mundo poderia obrigar a tamanha compaixão, tão sincero amor, nem a tão perfeito altruísmo.

 

Hoje trava-se uma enorme luta no nosso país. É a batalha para conquistar o reino desse monstro cruel chamado segregação e da sua inseparável gêmea, a discriminação, monstro que se passeia através do país há quase cem anos, despojando milhões de pretos da sua dignidade e roubando-lhes o direito à liberdade, adquirido por nascimento.

 

Não nos deixemos cair na tentação de acreditar que a legislação ou as decisões judiciais podem ter uma menor importância na resolução do problema. A moralidade não pode ser legislada, mas o comportamento pode ser regulado. Não são as decisões judiciais que transformam os corações, mas podem restringir a sua ação quando nociva. A lei não pode obrigar um patrão a gostar do empregado, mas pode evitar que ele o não admita por causa da cor de sua pele. Os hábitos das pessoas, senão os corações, foram sempre, e ainda continuam a ser, alterados por atos legislativos, por decisões judiciais ou por ordens executivas. Não nos deixemos arrastar por aqueles que sustentam que a segregação não pode acabar pela força da lei.

 

Mas, posto isto, temos de admitir que a solução última para o problema rácico reside na disposição do homem em obedecer ao que não lhe é imposto. As sentenças judiciais e as intervenções podem contribuir valiosamente para acabar com a segregação; mas a integração é apenas um passo parcial, embora necessário, para o objetivo final que procuramos atingir, a real existência intergrupo e interpessoal. A integração derruba as barreiras legais e reúne os homens fisicamente, mas é preciso algo que toque nos corações e nas almas dos homens, a fim de que eles se unam espiritualmente, como é natural e justo. Reforçando energicamente as leis dos direitos civis poder-se-á acabar com as facilidades oficiais de que goza a segregação e que representam obstáculos para uma autêntica sociedade integrada; mas não se pode acabar com os medos, os preconceitos, o orgulho e o irracionalismo que são outros tantos impedimentos para uma verdadeira sociedade integrada. Estas sombrias e diabólicas réplicas só poderão ser removidas quando os homens se deixarem invadir pelo invisível, pela lei íntima que imprime nos corações a certeza de que todos os homens são irmãos e de que o amor é a arma mais poderosa da humanidade para a transformação pessoal e social. A verdadeira integração será realizada pelos amigos sinceros do próximo que estejam dispostos a obedecer a obrigações não impostas.

 

Hoje, mais do que nunca, meus amigos, os homens de todas as raças, assim como as nações, tendem aproximar-se uns dos outros. O apelo para uma política, de boa-vizinhança ao nível mundial é mais do que um efêmero shibboleth (Palavra hebraica que a gente de Galaad empregava para reconhecer e matar os homens de Efraim, que a pronunciavam de maneira diferente. Hoje é aplicada para decidir da competência ou incompetência da pessoa): é um apelo para uma forma de existência que transformará a nossa iminente elegia cósmica num salmo de completa satisfação. Já não podemos hoje dar-nos ao luxo de passar para o outro lado da rua. A essa louca atitude, chamou-se falha moral; hoje representa um suicídio universal. Não poderíamos sobreviver muito tempo espiritualmente separados num mundo que, geograficamente, se encontra unido. Em última análise, não poderei ignorar o homem ferido da Estrada de Jericó porque ele participa em mim e eu nele. A sua agonia diminui-me e a sua salvação dilata-me.

 

No nosso esforço para tornar o amor ao próximo numa realidade, temos para nos servir de guia, além do inspirado exemplo do bom Samaritano, a vida magnânima de Cristo. O seu altruísmo era universal, porque considerava todos os homens, incluindo publicanos e pecadores, como irmãos. O seu altruísmo era arriscado, porque espontaneamente viajou por estradas pouco seguras por uma causa que Ele sabia justa. O seu altruísmo era excessivo, porque escolheu a morte no Calvário, a mais magnificente expressão histórica de obediência que não é imposto.