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A RESPOSTA

A UMA PERGUNTA

INQUIETANTE

 

“Porque não podemos nós expulsá-lo?” (Mateus 17:19).

 

A vida humana tem sido caracterizada, através dos séculos, pelos esforços constantes do homem no sentido de remover o mal do mundo. Raras vezes ele se tem ajustado inteiramente ao mal, pois apesar de todas as suas racionalizações, compromissos e álibis, o homem sabe que o “é” não significa o “deve”, e que o atual não é o possível. Embora na sua alma se desenvolvam agressivamente males como o sensualismo, o egoísmo ou a crueldade, o homem conhece no seu íntimo que os males são uns intrusos e que ele foi destinado para uma maior e mais alta obediência. Na sua tendência para o diabólico, há sempre uma inquietação proveniente da saudade que sente do divino; e quando procurava adaptar-se às exigências do tempo, sabe bem que a eternidade é o seu último habitat. Quando cai em si, reconhece no mal invasor estrangeiro a quem deve expulsar do território nacional da sua alma antes que ele destrua a sua dignidade moral e espiritual.

 

Mas o problema que sempre afligiu o. homem foi o da sua incapacidade para vencer o mal empregando apenas os seus próprios meios. Tragicamente preocupado, pergunta: “Porque não posso expulsá-lo? Porque não consigo acabar com o mal na minha vida?”.

 

Esta perplexidade angustiosa recorda-nos um fato passado logo em seguida à Transfiguração de Cristo. Quando Jesus descia da montanha, encontrou um rapazinho que se debatia entre horríveis convulsões. Os discípulos haviam tentado curá-lo, mas quanto maior era o esforço para acudirem àquela infeliz criança, maior era a sensação da sua impotência e a das limitações do seu poder. Quase prestes a desistirem, desanimados, apareceu então o Senhor. Depois do pai da criança lhe ter contado o insucesso dos discípulos, Jesus “intimou o demônio, e este saiu do menino que foi curado na mesma hora” (Mateus 17:17-16). Quando mais tarde os discípulos se encontraram sozinhos com o Mestre, perguntaram-lhe: “Porque não pudemos nós expulsar esse demônio?”. Exigiam uma explicação para a sua óbvia incompetência. Jesus disse-Ihes então que a causa do insucesso era a sua falta de fé: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: passa-te daqui para ali e ela passará, e nada vos será impossível”. Os discípulos tinham tentado realizar sozinhos o que só poderia ter sido feito depois dum abandono total a Deus, e a força divina ter corrido livremente através deles.

 

Como se pode expulsar o mal? Os homens servem-se geralmente de dois processos para o eliminar e salvarem, portanto, o mundo. No primeiro, recorrendo ao próprio homem, estranhamente convencidos de que este, através do seu poder e talento e pela sua inteligência e espírito inventivo, pode remover e vencer as forças do mal. Esta idéia, espalhada pelo mundo moderno como uma praga, trocou Deus pelo homem e substituiu a orientação divina pelo gênio humano. Há quem diga que esta concepção surgiu durante o Renascimento, quando a religião era destronada pela razão; ou mais tarde, quando a Origem das Espécies, de Darwin, substituiu a idéia da criação pela teoria da evolução; ou ainda quando a revolução industrial orientou o coração dos homens para o conforto material e para as vantagens físicas. Fosse como fosse, a idéia da capacidade do homem para resolver os males da história conquistou os espíritos e deu origem à doutrina do inevitável progresso, à máxima de Rousseau acerca da "bondade original da natureza humana", e às afirmações de Condorcet de que a razão, por si só, poderia libertar o mundo inteiro do crime, da miséria e da guerra. Animado por uma confiança sempre maior na capacidade da razão e da ciência, o homem moderno partiu para a transformação do mundo. Desviou as suas atenções de Deus e da alma humana, para as orientar para o mundo exterior e para as suas inerentes possibilidades. Observou, analisou e explorou. O laboratório tornou-se no santuário dele e os cientistas nos seus padres e profetas. Um humanista moderno afirmava convencido:

 

“O futuro está no laboratório e não na Igreja; está no cientista e não no profeta; está na eficiência e não na devoção piedosa. O homem percebeu finalmente que só ele é responsável pela formação do mundo que sonhou e que está na sua mão poder realizá-la”.

 

O homem sujeitava a natureza ao julgamento da investigação científica. Ora ninguém duvida de que o trabalho do homem nos laboratórios científicos conseguiu extraordinários avanços no poder e no conforto, produzindo máquinas que calculam e aparelhos que pairam majestosamente no espaço, se erguem imponentes do solo ou se deslocam soberbamente nos mares.

 

Mas apesar destes novos e espantosos progressos técnicos, os males antigos continuam e a era da razão transformou-se numa era de terror. O desenvolvimento do nosso sistema educacional e o maior raio de ação das leis políticas não conseguiram acabar nem com o egoísmo nem com o ódio. Uma geração, antes imbuída de otimismo, pergunta agora com enorme espanto: “Porque não pudemos nós expulsá-lo?”.

 

A resposta é fácil: o homem nunca poderá sozinho destruir o mal do mundo. A esperança do humanista é ilusória porque baseada num otimismo exagerado acerca da bondade inerente à natureza humana.

 

Seria eu o último a condenar os milhares de pessoas sinceras e dedicadas que, afastadas das igrejas, têm trabalhado generosamente em diversas organizações humanitárias no intuito de livrar o mundo dos seus males socais porque prefiro um humanista empenhado no bem a um cristão desinteressado. Muitas, porém, dessas pessoas dedicadas que procuram a salvação dentro do contexto humano, tornam-se compreensivelmente pessimistas e desiludidas porque os seus esforços se apóiam numa espécie de auto-ilusão que ignora os fatos fundamentais relacionados com a nossa natureza mortal.

 

Também nunca pretenderei minimizar a importância da ciência, nem as grandes contribuições trazidas pelo despertar do Renascimento. Foram elas que nos ajudaram a sair dos abismos estagnantes da superstição e das verdades incompletas, para subir às alturas luminosas da análise criadora e da apreciação objetiva. A incontestável autoridade da Igreja em assuntos científicos tinha a necessidade de sair de obscurantismos paralisantes, de noções antiquadas e de inquisições vergonhosas. Mas o exaltado otimismo renascentista, ao tentar libertar o espírito do homem, esqueceu-se da capacidade que este tem de pecar.

 

O segundo processo para remover o mal do mundo é o de confiar cegamente no Senhor que, quando Lhe aprouver, redimirá, Ele sozinho, o mundo. Esta idéia, enraizada numa doutrina pessimista sobre a natureza humana e que elimina totalmente a competência do homem pecador, adquiriu enorme importância durante a Reforma, esse grande movimento espiritual que gerou a preocupação protestante pela liberdade moral e espiritual e serviu de corretivo a uma Igreja medieval corrompida e estagnada. As doutrinas da justificação pela fé e do sacerdócio de todos os fiéis são princípios assentes que nós, como protestantes, afirmamos sempre, mas a doutrina sobre a natureza humana exagerou a corrupção do homem. Se o Renascimento foi demasiado otimista, a Reforma foi pessimista de mais, pois tanto se concentrou o primeiro na bondade do homem que esqueceu a capacidade deste para o mal, e tanto a última se concentrou na maldade do homem, que esqueceu a capacidade dele para o bem. Enquanto justamente afirmava a condição pecadora da natureza humana e a incapacidade que o homem tinha de se salvar a si próprio, a Reforma dizia, injustamente que, no homem, nada subsistia da imagem de Deus.

 

Isto levou ao conceito calvinista da total depravação do homem e ao ressurgimento da terrível idéia da condenação das crianças. A doutrina calvinista dizia ser tão depravada a natureza humana que se uma criança morresse antes de ser batizada, iria arder para sempre nas chamas do inferno. Era levar, decerto, longe de mais a condição pecadora do homem. Este lado especial da teologia reformista insistiu, por vezes, demasiado numa religião puramente extraterrena, e num mundo sem esperança alguma, apelando para a concentração do indivíduo na preparação da sua alma para o mundo que havia de vir. Ao ignorar a necessidade duma reforma social, a religião divorciava-se da principal condição da vida humana. Uma das qualidades requeridas por uma comissão religiosa de um novo ministro era a de “pregar o verdadeiro evangelho e não se referir aos problemas sociais”. Isto marca bem o perigo duma igreja inerme, onde as pessoas se reúnem apenas para ouvir banalidades piedosas.

 

Pelo fato de ignorar a ação do evangelho, tanto no corpo como na alma do homem, esta parcialidade cria uma dicotomia trágica entre o sagrado e o profano. Para ser digna da origem que o Novo Testamento lhe confere, a Igreja deve procurar não só transformar a vida pessoal, como a situação social que causa em tanta gente a angústia do espírito e a sua cruel escravidão.

 

A idéia do homem ficar à espera que Deus faça tudo conduz inevitavelmente a um insensível abuso da oração... Se Deus tudo faz, o homem tudo pede, e Deus transforma-se assim numa espécie da “sineta cósmica” a que, por tudo e por nada, recorremos. Ou então considera-se Deus tão onipotente e o homem tão impotente que a oração se torna num substituto do trabalho da inteligência. Disse-me alguém: “Creio na integração, mas sei que só se realizará quando Deus quiser que ela se realize. Vocês, os negros, deviam desistir dos protestos e começar a rezar mais”. Sei, decerto, que precisamos de pedir o auxílio e a orientação de Deus nesta luta pela integração, mas enganar-nos-iamos gravemente se pensássemos que ganharíamos a batalha só pela oração. Deus, que nos deu cabeça para pensar e corpo para trabalhar, malograria os seus próprios desígnios se consentisse que nós, por meio da oração, obtivéssemos tudo aquilo que pode ser obtido pelo nosso esforço ou pela nossa inteligência. Para a insuficiência dos nossos esforços, a oração representa, decerto, um suplemento maravilhoso e necessário, mas é um substituto muito perigoso. Quando Moisés se empenhou em conduzir os israelitas à Terra da Promissão, Deus disse-lhe claramente que não interviria naquilo que eles pudessem fazer por esforço próprio “O Senhor disse a Moisés: porque clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que se ponham a caminho” (Êxodos 14:15).

 

Devemos sinceramente rezar pela paz, mas devemos também trabalhar energicamente para o desarmamento e para a suspensão das experiências nucleares; devemos utilizar tão rigorosamente as nossas inteligências para promover a paz, como antes o fizemos para planear a guerra. Oremos fervorosamente para que venha a justiça racial, mas usemos também os nossos cérebros na elaboração dum programa, na organização duma ação conjunta não-violenta e no emprego de todos os nossos recursos físicos e espirituais a fim de a conseguirmos. Constantemente devemos rezar pela justiça econômica, mas trabalhemos também ativamente a fim de promovermos as transformações sociais necessárias para uma melhor distribuição da riqueza, tanto aqui no nosso país, como nos países subdesenvolvidos de todo o mundo.

 

Não vem tudo isto provar como é errada a idéia de que é Deus sozinho quem expulsa o mal da terra com o homem sentado comodamente a assistir e sem interferir em nada? O mal da terra não será destruído por nenhum raio caído dos céus, nem poderosos exércitos de anjos virão contrariar a vontade do homem. A Bíblia representa Deus como sendo um ditador que decidisse tudo pelos seus súbditos, ou como um tirano cósmico que, usando métodos no gênero dos da Gestapo, interferisse nas vidas dos homens; descreve-O antes como um Pai amantíssimo que distribui as suas graças abundantes pelos filhos que quiserem recebê-las. A ação do homem é indispensável. Deus dizia a Ezequiel: “Filho do homem, de pé, porque Eu te falo” (Ezequiel 2:1). O homem não é um inválido impossibilitado, perdido no abismo da total depravação à espera que Deus o tire de lá. É um ser humano, de pé, cuja visão é prejudicada pelas cataratas do pecado e cuja alma está depauperada pelo vírus do orgulho, mas que vê, contudo, o suficiente, para poder erguer os olhos ao céu, e contém ainda em si algo da imagem de Deus que lhe permite entregar a sua vida doente e frágil nas mãos do Médico Supremo, Aquele que cura as destruições causadas pelo pecado.

A real inconsistência da noção de que “Deus fará tudo” provém da falsa idéia que fazemos de Deus e do homem; exagera-se tanto a soberania de Deus que o homem se torna num ser totalmente incapacitado; e tão depravado consideramos o homem, que nada mais lhe resta do que esperar em Deus. Esta noção considera o mundo tão contaminado pelo pecado, que Deus o transcende inteiramente, e só intervém, de quando em quando, por meio duma irrupção violenta. Esta maneira de ver acaba por fazer de Deus um déspota, em vez dum Pai; e tão grande é o seu pessimismo acerca da natureza humana, que quase reduz o homem a um simples verme que rasteja na lama dum mundo invadido pelo mal. Mas nem o homem é completamente depravado, nem Deus o ditador onipotente. Afirmamos convictos a majestade e a soberania de Deus, mas isso não nos leva a considerá-lo um Monarca Absoluto que nos impõe a sua vontade e nos priva da liberdade de escolhermos o caminho do bem ou do mal. Não interfere, nem nos força a ficar em casa quando o nosso espírito nos impele para os países distantes da degradação, mas acompanha-nos com amor e quando, arrependidos, regressamos à casa paterna, encontramo-Lo sempre de braços abertos para nos receber e perdoar.

 

Não julguemos, pois, que Deus vai retirar o mal do mundo por meio dum espantoso milagre ou apenas com gesto seu. Enquanto assim pensarmos, faremos preces que não serão atendidas e pediremos coisas que Deus não nos dá. E tão inadmissível pensar que Deus tudo faz pelo homem, como pensar que o homem pode, sozinho, fazer tudo. Tal noção é ainda baseada na falta de fé. Temos de aprender que esperar tudo de Deus sem a nossa atuação, não significa ter fé, mas sim ser supersticioso.

 

Qual será então a resposta à perplexa pergunta da vida: “Como podemos expulsar o mal das nossas vidas pessoais ou coletivas?”. Se o mundo não pode ser purificado nem só por Deus, nem só pelo homem, quem o poderá fazer?

 

A resposta está numa idéia totalmente diferente das outras duas que discutimos, pois que nem Deus nem o homem podem trazer, individualmente, a salvação ao mundo. Serão antes os dois que, numa unidade maravilhosa de propósitos e através dum amor transbordante, poderão transformar o velho em novo e destruir o cancro fatal do pecado, da parte de Deus com o dom gratuito de Si próprio, e da parte do homem com uma obediência perfeita e com receptividade.

 

O princípio que faculta a ação de Deus no homem é a fé. Foi ela que faltou aos discípulos quando tentavam desesperadamente arrancar o mal do corpo daquela infeliz criança. Jesus lembrou-lhes que o que eles sozinhos tinham tentado fazer só poderia ser feito quando as suas vidas se abrissem, como se abriram, para receber a força de Deus, deixando-o passar livremente através delas. As Escrituras referem-se claramente a dois tipos de fé. A um poderemos chamar a fé do espírito, que é a convicção intelectual de que Deus existe. A outra é a fé do coração, pela qual o homem se entrega inteiramente, num autêntico ato de fé e de confiança. Conhecer Deus é possuir este último tipo de fé, pois a fé do espírito é dirigida a uma teoria, enquanto a do coração é centrada numa Pessoa. Gabriel Marcel pretende que a fé significa acreditar em e não acreditar que. É como “abrir um crédito que me põe à disposição de alguém em quem acredito”. “Quando acredito” diz ele, “uno-me a essa crença numa espécie de íntimo abandono de mim próprio, que o mesmo ato da união implica”. A fé é a abertura pela qual o influxo divino penetra, em qualquer plano, na vida duma pessoa.

 

Era o que o Apóstolo Paulo acentuava na sua doutrina da salvação pela fé. Para ele, a fé é a capacidade do homem em aceitar a vontade de Deus, através de Cristo, a fim de ser libertado da escravidão do pecado. Deus, no seu amor magnânimo, oferece-Se para realizar gratuitamente aquilo que não podemos realizar sozinhos; a nossa aceitação humilde e sincera é a fé. É, portanto por ela que seremos salvos. O homem cheio de Deus, e Deus atuando através do homem, operam transformações extraordinárias na nossa vida pessoal e social.

 

Os males sociais têm retido muita gente em sombrios becos sem saída, e têm lançado outra tanta para profundos abismos do fatalismo psicológico. Uma humanidade perfeitamente unida a Deus pela obediência pode destruir esses males paralisantes e mortais. A vitória moral poderá ser alcançada se Deus preencher o homem e este, pela fé, abrir a sua vida para receber Deus, como o golfo que se abre para receber as águas correntes do rio. A justiça racial, uma genuína possibilidade tanto no nosso país como no mundo, não será realizada pelos nossos fracos, e muitas vezes errados esforços, nem pela imposição da vontade de Deus sobre os homens; só se realizará quando houver o número suficiente de pessoas que abram as suas vidas a Deus e deixem a sua energia triunfante e divina impregnar as suas almas. O nosso velho e nobre sonho dum mundo de paz pode transformar-se, um dia, em realidade, mas não será apenas por trabalho nosso nem porque Deus destruiu os sistemas cruéis criados pelo homem; será, sim, quando este franquear a sua vida a Deus, para que Ele o encha de amor, de respeito mútuo, de compreensão e de boa-vontade. Também a salvação social só será realizável através da livre aceitação da graça poderosa de Deus pelo homem.

 

Apliquemos agora o que disse às nossas vidas particulares. Muitos de vós sabeis o que significa lutar contra o pecado. De um ano para o outro começais a perceber que um pecado terrível, como talvez o tornar-se escravo da bebida, da mentira, da impureza ou do egoísmo, se vai apossando da vossa vida. À medida que o tempo passa e o vício aumenta nas vossas almas, reconheceis nele um intruso anormal. Tereis mesmo pensado: “Um dia destes acabo com este vício; sei que estou a arruinar o meu caráter e a preocupar a minha família”. Resolvestes, por fim, marcar uma data para acabar com o mal, mas podeis ainda lembrar-vos, certamente, do desapontamento e da surpresa que sentistes quando, trezentos e sessenta e cinco dias mais tarde, percebestes que nada havíeis conseguido apesar dos mais sinceros esforços. E com um enorme espanto, perguntais: “Porque não pude expulsá-lo?”.

 

Então, desesperados decidis entregar o vosso problema a Deus; mas em vez de lhe pedirdes para atuar por vosso intermédio, dizeis: “Senhor, resolve por mim esta dificuldade, porque não sou capaz de a vencer”. Mas, dias ou meses depois, o mal ainda continua; Deus não o expulsou porque nunca afasta o pecado sem a cordial cooperação do pecador. Nenhuma dificuldade é resolvida quando, comodamente, esperamos que Deus tome a responsabilidade dela.

 

Não se expulsa um mau hábito já antigo por mera resolução ou por um simples apelo a Deus para que o afaste; é preciso que nos rendamos incondicionalmente e nos tornemos instrumento de Deus. Só nos libertaremos da pesada acumulação do mal, quando consentirmos que a energia de Deus se introduza nas nossas almas.

 

Deus prometeu cooperar conosco sempre que tentássemos expulsar o mal das nossas vidas e nos tornássemos verdadeiros filhos da sua divina vontade. “Assim o que é de Cristo converteu-se numa nova criatura”, diz-nos Paulo: “e o que era velho passou e tornou-se novo” (2ª Coríntios 5:17). Quando alguém é de Cristo, transforma-se noutra pessoa; a antiga desaparece e torna-se então num verdadeiro filho de Deus.

 

A transformação que Cristo operou em tantos filhos pródigos é uma das maiores glórias do Evangelho. Dum Simão de areia fez um Pedro de granito. Transformou um Saulo, perseguidor, num Paulo Apóstolo. Converteu um Agostinho, ávido de prazeres, num Santo Agostinho. As palavras ponderadas de Leão Tolstoi no livro A minha religião, refletem uma experiência pela qual já muita gente passou:

 

“Foi há cinco anos que me chegou a fé; acreditei na doutrina de Jesus subitamente, toda a minha vida sofreu uma profunda transformação. Aquilo que antes desejava deixou de me interessar, e comecei a desejar o que antes me não interessava. O que antes considerava justo passou a ser, para mim, injusto, e o que no pecado me parecia injusto passei a considerá-lo como justo... A minha vida e os meus gostos modificaram-se completamente e o mal e o bem inverteram o seu significado”.

 

 Encontramos aqui a resposta à tal interrogação perplexa. Não é o homem por si só, nem um Deus ditatorial que invada as nossas vidas, que irão expulsar o mal, mas unicamente quando abrimos a porta e, através de Cristo, convidamos Deus a entrar. “Eis que estou em pé à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo” (Apocalipse 3:20). A delicadeza de Deus é grande de mais para forçar uma porta. Só quando nós a abrimos com uma fé sincera, se realiza o encontro divino e humano que transforma as nossas vidas arruinadas pelo pecado em novas personalidades luminosas.